O empresário cuiabano Danilo Berndt Trento, investigado pela Polícia Federal por suspeita de fraudes nos descontos de aposentados, recebeu R$ 19,2 milhões da J&F, dona da JBS, conforme relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) enviado à CPMI do INSS.
Os repasses ocorreram entre janeiro de 2023 e abril de 2025, em três transações da J&F para a empresa T5 Participações Ltda, pertencente a Trento. Em seguida, os valores foram transferidos ao próprio lobista. As instituições financeiras apontaram as operações como indícios de lavagem de dinheiro e ocultação da origem dos recursos.
No relatório, o Coaf afirma que o volume de transações realizadas pela empresa é desproporcional à receita bruta anual esperada para o segmento. O documento destaca que isso levanta dúvidas sobre a origem e a justificativa dos valores movimentados.
Repasses e suspeitas de lavagem de dinheiro
Segundo o relatório, o alto volume de recursos movimentados em curto período indica possível dissimulação patrimonial e uso da empresa como fachada para atividades ilícitas. Além disso, o texto observa que a T5 recebeu grandes quantias de terceiros sem relação evidente com sua atividade principal. Para o Coaf, a falta de fundamento econômico claro sugere interposição de terceiros para ocultar a real origem do dinheiro.
A J&F, questionada sobre o caso, declarou que “não realizou nenhum pagamento à pessoa mencionada pela reportagem”, mas não explicou os repasses feitos à T5, como apontou o Coaf. “Todos os pagamentos realizados pelo grupo seguem a legislação e as políticas de compliance da companhia”, afirmou a nota.
Trento foi procurado desde sexta-feira (3) para comentar o motivo dos pagamentos. Ele disse que responderia por escrito, mas interrompeu o contato após ser questionado sobre a J&F.
Envolvimento com diferentes investigações
Trento, que vive em São Paulo, atua em vários segmentos de negócios. Ele foi investigado pela CPI da Covid, quando exercia o cargo de diretor institucional da Precisa Medicamentos, empresa acusada de fraude na negociação da vacina indiana Covaxin. Em 2021, durante seu depoimento à CPI, senadores também apontaram que ele fazia lobby no Senado por um projeto de lei para legalizar cassinos no Brasil.
Agora, o lobista aparece novamente, desta vez nas investigações sobre fraudes no INSS, especialmente por causa de sua ligação com o empresário Maurício Camisotti, apontado pela PF como sócio oculto da Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos). Essa associação é suspeita de fraudar autorizações de aposentados para permitir descontos indevidos.
A PF suspeita que Trento atuava no braço financeiro do esquema de desvios. Ele chegou a pagar uma viagem para um dos servidores investigados do INSS. Desde o fim de 2022, as instituições financeiras emitiram 30 comunicações ao Coaf sobre operações suspeitas em nome de Trento.
Entre os alertas, um banco informou que o lobista recebia valores por meio de empresas de intermediação, tipo de transação comum em setores ligados a criptoativos, jogos de azar e apostas.
Suspeita de laranja e transações ocultas
A empresa T5 Participações permaneceu no nome de Trento até março de 2024, quando foi transferida para Francine da Rosa, identificada pelo Coaf como possível laranja. A suspeita se baseia no fato de ela ter renda mensal estimada em R$ 1,6 mil. A reportagem não conseguiu contato com Francine.
O relatório também menciona o envolvimento da T5 em transações investigadas pela Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal. Segundo o Coaf, a empresa pagou R$ 90 mil à TAP (Táxi Aéreo Piracicaba), companhia suspeita de ter ligação com o PCC (Primeiro Comando da Capital). A data dessa transação não foi especificada.
Além disso, em 2024, Trento transferiu cerca de R$ 700 mil ao BK Bank, fintech usada por organizações criminosas para lavar dinheiro, de acordo com a investigação da PF. A origem do valor não foi comprovada. O próprio banco reportou as transações ao Coaf.
Operação Carbono Oculto e alegações de defesa
O relatório cita que, ao ser questionado pelo BK Bank, Trento afirmou que a operação tratava-se de um contrato de mútuo, ou seja, um empréstimo, mas não apresentou documentos que comprovassem a alegação. Ele também alegou aumento no volume de movimentações por causa de R$ 1,3 milhão recebidos pela venda de sua participação na T5.
A Táxi Aéreo Piracicaba e o BK Bank foram procurados para esclarecer as operações, mas não responderam. O BK limitou-se a dizer que “não possui qualquer relação com o crime organizado ou com as pessoas apontadas como investigadas”.
Outra conexão citada pelo relatório é com Gabriel Mascarenhas Sobral, investigado pela PF na Operação Overclean, que apura desvios de recursos de emendas parlamentares. Em 2024, Trento transferiu R$ 70 mil a Sobral.
Histórico de alertas do Coaf
Sobral, que também mora em São Paulo, confirmou conhecer Trento, mas negou qualquer relação comercial com ele. Disse apenas que o valor pode ter sido usado para dividir despesas de uma viagem, embora não se recorde dos detalhes.
A CPI da Covid já havia levantado suspeitas sobre as contas do lobista. De 2020 a 2021, Trento movimentou R$ 2 milhões por mês, valor considerado pelo Coaf incompatível com seu patrimônio e atividade econômica. Mesmo assim, o nome dele ficou de fora da denúncia feita pelo Ministério Público Federal à época.
*Com informações de Natália Portinari – Colunista UOL



















